quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O Fato Invertido

Nessa vida, não há muitos estudos necessários. Para se viver bem, basta ler o Hamlet de Shakespeare, o Memorial de Aires de Machado de Assis, a Bíblia e os manuais dos eletrodomésticos. O resto é mais ou menos conversa fiada. No entanto, os fios dessas conversas, em mãos habilidosas, podem vir a formar uma tapeçaria medieval. E é nesse sentido que toda discussão acadêmica sobre a consciência é pertinente. Os doutos nos fazem perceber que nesse como em muitos outros assuntos o que há de novo no mundo é o desenvolvimento de doutrinas caquéticas como a da desobediência civil.

Não há nada tão velho quanto a oposição à lei. O desenrolar moderno desse fio, porém, está na afirmação de que o crime compensa, desde que bem planejado.  A consciência não faria juízos, mas tão somente deliberaria sobre o meios necessários à realização do bem.A tese desses apologistas da subversão é que seria impossível julgar os atos, mas seria bom julgar a própria consciência.  O otimismo desses modernos é sem dúvida edificante. Eles partem do princípio de que todo homem deseja ir a Roma, e portanto, se não chega lá, o problema é da estrada que sempre levou a Brundísio. A opinião de que a via correta para se chegar a Roma é a Ápia seria simplesmente relativa.  E, num certo sentido, é de fato a relação o único que importa. O problema é a ingenuidade de se considerar que alguma relação direta com Deus é possível depois do pecado original. Essa teoria, assim, nada mais é que o pelagianismo com o grano salis da liberdade.

Não se trata, todavia, de uma doutrina sem fundamento. A consciência, de fato, não é capaz de julgar julgar os atos de ninguém, e o primeiro democrata do mundo disse que não julgava nem os próprios atos.  A democracia é baseada na tolerância. Se alguém vota, digamos, na Dilma Roussef, julgando que ela seria a melhor administradora para o Brasil que a Marina, a opinião deste alguém pode estar equivocada. Mas isso jamais justificaria que ele fosse impedido de participar das decisões sobre o rumo do país.  O juízo, neste mundo ou no outro, nunca é sobre a consciência própria ou alheia. Isso seria ou uma doença mental ou uma ditadura.

Niguém nega, todavia, que ele possa ser mais ou menos bem baseado em fatos.  E a lei não é outra coisa que um fato invertido. A proibição do homicídio somente pode aparecer depois que o José foi morto. A diferença entre o que aconteceu e a prescrição é uma mudança de sentido. Antes, a morte foi a realidade.  Agora, a vida é a ideia.