sábado, 31 de maio de 2014

Opinião e Fato

Outro dia, conversando com uns amigos, tomei conhecimento de um boato preocupante. As imobiliárias anunciariam nos jornais de grande circulação tão somente pelo prestígio, mas não por que haja algum retorno financeiro. Seria muito mais vantajoso contratar exclusivamente as ubíquas setas vivas, esses homens e mulheres que ganham a vida fazendo o papel de estátuas, que se limitam a usar dez por cento da sua capacidade num trabalho que poderia perfeitamente ser realizado por um outdoor. Mas os anuciantes não deixam de usar a imprensa para a divulgação de seus empreendimentos. E a razão é a mesma pela qual alguém vai a festa de um político respeitável. Não é porque o aniversariante é interessante, mas simplesmente para se apresentar como a prova viva do convite.

A causa da falta de credibilidade dos nossos periódicos, permitam-me dizê-lo, é uma busca trágica por manter-se em cima do muro em temas cruciais para todos os brasileiros. Essa ância por mostrar-se independente e equânime não é bom sinal. Não há dúvida de que a Copa tenha sua importância e saber se o novo Romário, seja ele quem for, vai ou não representar o país no mundial é relevante. Mas isso é só um fato. Não é ainda uma opinião. Os entendidos saberão dizer se ele foi convocado por conta de seu patrocinador, ou porque é uma peça importante dentro do esquema tático que o treinador costuma usar. Mas, seja como for, arriscar um palpite é fundamental.

A situação é mais grave quando o campo é a arena política. Aí, manter-se equilibradamente em cima do murdo é uma arte muito parecida com um artifício. E boa parte dela consiste em não ceder aos juízos precipitados. Quando Paulo Malhães morreu, e o Estado não decidiu qual era a versão verdadeira, foi uma obra de mestre. Mas quando os documentos encontrados na sua casa foram usados para uma denúncia contra os militares, ficou claro que se trata de uma peça importante da estratégia política do governo.

Isso é uma opinião. Manifestá-la de modo que jornal não seja acusado de fazer oposição a torto e a direito não é difícil. Basta mostrar que os funcionários públicos que atuaram no caso podem até não ser filiados ao PT, mas participam, quer queiram quer não, de seu projeto de destruir a democracia brasileira, cujo fundamento é a anistia ampla, geral e irrestrita.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

O Elogio de Péricles

Um imperador romano, vendo que alguns estrangeiros traziam seus cachorrinhos no colo e os acariciavam, observou que as afeições do homem foram feitas não para qualquer animal, mas sim para o seu semelhante. Do mesmo modo há quem observe feitos e fatos ignóbeis quando poderia contemplá-los heróicos e edificantes, há quem permaneça com os olhos no chão quando poderia levantá-los para as estrelas. E, quando encontramos um belo astro no firmamento,  surge a admiração e o desejo de imitar. A estrela em questão é Péricles. É verdade que poucos podem fazer da sua biografia o espelho exato da vida de um governante. Mas não há quem não governe algo, nem que seja somente o próprio nariz.

Sua família era nobre. Seu pai, Xantipo, derrotara os persas na batalha de Micale. Sua mãe, Agarista, era neta de Clístenes, que defenestrara os filhos de Psístrato e dera à cidade um corpo de leis que lhe conferiram harmonia e segurança. Em filosofia, foi educado por Anaxágoras de Clazómenas. Participou das reuniões em que Zenão, o fundador do estoicismo,  reduzia qualquer argumento ao absurdo. Foi este último que o defenfeu do boato de que sua serenidade e tranquilidade seriam afetadas e pouco sinceras. Se assim fosse, dizia Zenão, que todos imitem o auto-domínio falso de Pérciles pois adquiririam assim uma virtude verdadeira.

Quando caíram os primeiros combatentes da guerra do Peloponeso, ele, já um cidadão célebre, tece-lhes o elogio. Começa reconhecendo a dificuldade do encargo. As leis exigem que alguém cante as virtudes dos que defenderam a pátria, mas não revela como evitar que os invejosos ridicularizem a verdade que lhes está acima da natureza nem que os conhecedores dos fatos lamentem que tal ou qual detalhe importante não foi mencionado. Mas, como se trata do seu dever, ele se arrisca a pronunciar o discurso. Antes, porém, de exaltar os feitos dos heróis caídos, convinha esclarecer que as consquistas da geração anterior haviam sido preservadas pela sua, sendo um de seus traços principais a democracia. Os atenienses eram livres e igualitários. Se alguém era pobre, isso não se erguia como um obstáculo intransponível para seu avanço na sociedade.  Bastava que fosse útil à cidade. A liberdade de que gozavam no âmbito público se extendia para a vida ordinária, onde ninguém se irritava com o próximo por fazer o que lhe apetecia nem lhe lançava um olhar de desprezo. Mas toda essa abertura não os tornava arrogantes. Ensinava-se a acudir os prejudicados, ainda que isso não estivesse em nenhum estatuto, mas somente pertencesse àquele código que, ainda que não escrito,  não pode ser ofendido sem que se conheça a desgraça.

 

sábado, 24 de maio de 2014

A Revolução

Um homem se aproxima de um ônibus e fura-lhe o pneu. Tem início a paralisação que transtornaria toda a cidade. Alguns motoristas hesitam mas acabam aderindo à revolução. Os rebeldes se cansaram de esperar. Os taxistas exultam com a maior procura pelos serviços. Pais que gostariam de chegar a tempo de se encontrar com seus filhos deixam para depois o carinho e bronca. Não há outra solução senão esperar. E este é o problema.  Há um ditado popular segundo qual a esperança é a última que morre.  Porém, isso não é fato.

O maior desgraçado da opinião pública, o desempregado, é alguém com esperança.  Enviar cem currículos por semana em busca de um emprego mostra que ele vê no trabalho a solução para os seus males e ninguém tem maior esperança do que aquele que encontrou meio com o qual derrotar o mal. Ele bem que poderia, na segunda semana, deixar esse assunto de emprego para lá. Mas seu motivo para servir não falha: o bem do Brasil!  A esperança do desempregado não morre. Ele é um Enéas em alto mar.  Roma é a sua meta, embora tudo a sua volta seja tempestade. Os desempregados, porém, além de serem cada dia menos numerosos entre nós, esperam pela obrigação do trabalho. E aguardar lentamente  uma obrigação é a morte da esperança. O argumento definitivo da revolução da esperança são aqueles homens e mulheres que deixaram tudo no mundo para esperar em Deus.

As cores do livro de História

Paulo Malhães era um coronel do exército que cometeu o terrível crime de tortura. Não há nada que explique suas ações fora do exército. A disciplina militar é algo de que os civis ou não capazes, como é o meu caso, ou algo que eles desprezam, como parece ser o caso do senhor Wahdir e dos respeitáveis senadores que foram interrogar o caseiro.  Este teria mentido porque seu projeto não era somente roubar as armas do coronel, mas também queimar os arquivos que incriminariam altas patentes da caserna.  De fato, seu intuito não era somente lucrar com a venda das armas para o tráfico de drogas fluminense.  Postos a perscrutar o imperscrutável, diremos que sua finalidade era dar as provas que Paulo Malhães sonegou à comissão.

Além dos indícios da traição militar ao povo brasileiro, que os procuradores investigam, havia um disco rígido que despareceu.  O computador apermaneceu intacto, tendo sido subtraída somente sua memória.  Ou aí estavam contidas informações prejudiciais à causa da revolução de 64 ou dados que lhe aprovveitariam. De qualquer modo, era uma questão que o próprio coronel, o único capaz de exumá-la, queria morta e enterrada. As águias do Ministério Público, todavia, tomaram o assunto para si, e o disco rígido talvez serviria para lançar mais luzes sobre o caso. A pergunta, porém, não é se a causa da vingança contra a ditadura pode ou não ser levada a cabo com sucesso. O que, antes de qualquer coisa, seria interessante saber é se há algum sentido em levá-la para frente.  Paulo Malhães talvez devesse ter entregado à comissão as informações dos anos de chumbo. Mas obrigá-lo a isso seria forçá-lo a dizer algo contra seus amigos de longa data. O interesse público, porém, nunca justifica um mal privado.

O que nem o caseiro nem ninguém mais quer é o que acontece. Informações que não servem senão para colorir de negro o passado do país virão à tona.  Manter as aparências não é só algo conveniente. As aparências são a asalvaguarda da verdade. A mancha que haverá nos livros de história da próxima geração não serão o verde e amarelo da bandeira nacional, mas sim o vermelho do sangue dos torturados.

sábado, 17 de maio de 2014

Criméia

Villa Yanukovich

 

A história se repete.  Esta guerra na Ucrânia não teria acontecido se a Rússia houvesse respeitado o acordo de Budapeste de 1994.  Do mesmo modo a primeira guerra mundial não teria começado se a Prússia não tivesse invadido a Bélgica contra o tratado de não agressão assinado por ela, França, Inglaterra e Alemanha.

Os fatos são: revolução laranja de 2004 e apoio de Moscou, rejeição de Yanukovich de integrar a Ucrância na UE, em novembro de 2013, ocupação da praça da independência, massacre de 20 de fevereiro, tentativa de acordo entre a oposição e o governo, que não chegou a termo porque o segundo não aceitou restringir os poderes presidenciais, deposição de Yanukovich e a invasão da Criméia pela Rússia.

"Somos todos macacos"


Dentre outras coisas, o homo sapiens se diferencia dos macacos pela capacidade de planejamento. Ninguém jamais viu um chimpazé tentanto acertar agenda com seu amigo, nem um gorila reclamando da meta impossível que seu chefe lhe impôs.  A liberdade de fazer seu próprio futuro é a essência do humano. O que não significa, é claro, que não tenhamos macaquices.

O futuro não é completamente planejável, e há certas condições da vida humana que simplesmente não são modificáveis pela liberdade, v.g., o instinto de política e o de preservação. Quem, todavia, age somente com base neles é pior que um macaco, para quem isso seria o natural.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Coronel Malhães foi morto por dinheiro!

A metafísica moderna ou é uma teoria da conspiração ou é abortada antes mesmo de começar. Paulo Malhães morreu de infarto do miocárdio.  A opinião de nobres colegas é que pode até ter sido infarto do micárdio, mas, vejam bem, haveria, não podemos ignorá-lo, a possibilidade de o coração do coronel ter parado pelo susto inflingido pelos capangas contratatos para dar cabo em sua vida...

Não, essa possibilidade não existe. Seria preciso uma fé mais cega do que a do Boko Haram  para acreditar nisso. O que aconteceu foi um crime por dinheiro! O coronel tinha várias armas em casa, e o mercado de armas brasileiro é lucrativo. Não adianta, é claro, pedir ao ladrão que se desarme para que a demanda diminua, e, portanto, seria suicídio coletivo proibir a venda de armas. O único que pode ser feito nessa situação - e não é pouco - é um réquiem pelo coronel.

sábado, 10 de maio de 2014

Modéstia

"Para que a praga da vanglória fique longe das minhas crianças, que tu, meu caro Gonell, e a mãe delas e todos seus amigos lhes cantem essa música e a repitam e a martelem no coração delas: que a vanglória é desprezível e é para ser cuspida, e não há nada tão sublime quanto a humilde modéstia tantas vezes louvada por Cristo; e essa caridade prudente tanto fixará como ensinará a virtude antes que reprovar os vícios e as fará amar o bem em vez de odiá-lo."

São Tomas More, numa carta de 1518 ao professor particular de suas filhas. 

 

São Tomas More pede que seja ensinado a suas filhas o amor antes que o ódio. Até aí, nada de mais. É coisa natural que um pai queira que suas filha se comportem bem, sejam filhas obedientes e mais tarde esposas solícitas. E que, nesse longo processo, não terminem rabugentas, achando que tudo é mau a não ser elas mesmas. O que admira é o meio com que almeja evitar esse perigo. Às filhas deveria ser dito e repetido que a vanglória foi feita para o escarro!

Uma profilaxia violenta para um mal violento. De fato, de todos objetivos vazios o mais vazio é essa busca pelo elogio da maioria. A opinião majoritária varia de ano para ano quando não de mês para mês. Mas é a essa opinião que muitas personalidades vão se dobrando até ficarem mirradas e se empequenecem até tornarem-se nada. E não é menos vão buscar agradar os outros sem nenhum outro sentido que o de evitar problemas pessoais.

A virtude é, a uma só vez, singular e boa. Ela pode até se manifestar aos poucos como aos poucos vai crescendo a afeição entre dois amigos. Mas no fim desse caminho de afabilidade está uma verdade concreta, que se encaixa perfeitamente em circunstâncias concretas, sem chamar mais atenção do que o necessário.

A Vida é Assimétrica

Muitos se perguntam o que é a vida, mas poucos têm uma reposta tão precisa para dar quanto Louis Pasteur.  Na sua época a celeuma acerca da origem desse mistério dividia os homens. Uns achavam que Deus fazia surgir a vida do oxigênio, enquanto outros não estavam tão convencidos de que de algo inorgânico pudesse ser derivado algo orgânico. Seria como se do que é menos pudesse sair o que é mais.

Enfim, a hipótese com a qual Pasteur lidava era de que haveria no ar um princípio ativo reponsável pela geração espontânea. Para refutá-la, ele tomou um vaso cheio de um caldo nutritivo. O ar entrava nele através de um longo e tortuoso tubo. Nenhuma vida surgiu. Os germens, ele explica, que são, no caso, a microscópica causa da vida que depois era notada nesses caldos, ficavam presos nas curvas e não podiam chegar ao fim do trajeto para lá se reproduzirem.

Mas não pára por aí o gênio de Pasteur. Ele também reparou que o ácido tartárico natural era assimétrico. Essa imperfeição é o que o torna capaz de girar a luz. Quando feita em laboratório, a substância é perfeita, mas perde essa propriedade.

   A vida, pois, é pequena e assimétrica. Nenhum aristotélico poderia tê-lo percerbido.