sábado, 23 de janeiro de 2016

A Frieza das Mulheres

A cordialidade brasileira não é sentimentalismo. Ela é antes de mais nada a capacidade de dialogar mesmo quando o navio está a ponto de naufragar, e um brasileiro de verdade não deixa de ceder o seu lugar no bote que salvaria a sua vida por conta do medo de que o resgaste não iria chegar. O verde da bandeira tupiniquim é a sua esperança, que só morre quando o dinheiro fala mais alto. É a triste história de Lula, que deixou de servir aos pobres quando o verde dos dólares da Odebrecht subornaram a sua consciência. O segundo fundamento da honestidade é não se achar o honesto, porque o primeiro é a razão, coisa que está em falta mesmo em figuras ilustres como os professores da Botucatóvisque, aquela faculdade que, entre nós, é dona do prestígio que foi de fato perdido na noite dos tempos. 
Um de seus professores um dia me confidenciou que o sentimentalismo o deixava apavorado. O medo, obviamente, é pior do que o próprio sentimentalismo. A melhor reação contra essa doce falha não é encolher-se, mas sim desbragadamente assumi-la. Sentimento é bom, e eu gosto. Isso é subjetivamente verdadeiro porque foi um fato que a consciência manifesta com a clareza que permitia a Narciso estranhar a sua face no lago. A diferença entre homens e mulheres é que os primeiros se apaixonam pela imagem, enquanto as segundas não se apaixonam por nada. A sociabilidade é algo comum entre os dois sexos, mas a proverbial fragilidade feminina é uma máscara que esconde o seu coração de gelo ou, na gíria filosófica, a sua diferença específica. 
Tomarei da vida um exemplo politicamente incorreto, mas sincero. Nem o mineiro, nem o carioca, nem o paulista, nem ninguém é tão macho quanto o cearense, esse bravo que suporta a seca com um estoicismo mais forte que o de Zenão. Isso é sinal de varonilidade porque é próprio do homem se empolgar com a própria força. Não há dúvida, porém, de que o melhor para o cearense é deixar de ser cearense e ir, como uma mulherzinha, a Brasília implorar que, em vez de planos mirabolantes como a transposição do São Francisco, recorram à simplicidade da água das cisternas. Ou seja, a dor da seca só é vencida se se faz uma gritaria em torno dela. Mas, para isso, é necessário uma paixão transparente e equilibrada como num soneto de Camões.  
Mulheres, pelo contrário, quase não escrevem poemas de amor. Essa frieza é ao mesmo tempo a sua glória e sua ruína. Se as amadas respondessem às cartas dos amantes, não só as epístolas deixariam de ser ridículas como o próprio sentimento desapareceria. O amor feminino não é a contrapartida do masculino porque as mulheres são mais racionais do que os homens. Se Helena fosse uma mulher de carne e osso, ela não seria capaz de ter atraído Menelau. Foi só quando ela se apaixonou pela própria imagem que Troia ruiu. Uma mulher de verdade é como um beija-flor que paira acima dos sentimentos vulgares não porque tenha medo deles, mas sim porque a sua razão lhe diz que a transformação da beleza ordinária na permanência do casamento só ocorre se os homens forem também suficientemente calculistas para reconhecerem que o frio na barriga do primeiro encontro não dura senão à força de comprar muitas flores e descobrir outros meios menos óbvios.