domingo, 19 de abril de 2015

Loucura Científica

Quando um autor resolve tratar de um tema de maneira científica, a primeira pergunta que alguém em sã consciência se faz é se ele tem o instrumental filosófico adequado. Quando Pasteur decidiu, por exemplo, estudar os micróbios, ele não tinha um fato. Mas ele tinha uma hipótese filosoficamente apropriada, cujo postulado básico era: um rato não pode derivar de um lixo porque ele é muito mais complexo do que restos de comida. Isso não quer dizer que a ciência não trata de fatos. No entanto, fatos por si só não passam de obviedades, e se a ciência fosse só isso, ela não seria muita coisa.

Há mistérios no mundo, que compete a ciência desvendar. Um mistério é sempre uma coisa religiosa, embora nem sempre a explicação seja uma questão de fé. Não é necessário ter fé para refutar a teoria da abiogênese. Basta um pouco de bom senso. Em todo bom senso todavia há a constatação, comum a todas as pessoas saudáveis, de que existem fatos óbvios, espaços de claridade, intermitências de luz, mesmo no problema mais espinhoso. E que a percepção destes fatos não é patrimônio exclusivo da geração atual, como se nossos antepassados fossem o lixo do qual nós, ratos modernos, derivamos. Quando, portanto, um cientista do gabarito do Prof. Gerardo Furtado afirma que um conceito da teoria da evolução tão central como é o da hierarquia natural não tem fundamento, há aí um grave erro filosófico. Falta-lhe o mais simples bom senso de reconhecer que os homens são o topo de cadeia alimentar.

O argumento principal é: as ações humanas são movidas por instintos; o que é movido por instinto é um animal; logo, as ações humanas são animalescas. Se, no entanto, o professor Gerardo dobra uma rua e vê que donzela está sendo assaltada por um meliante, há, nesse instante, um fato que derruba a premissa de seu raciocínio. Porque, neste momento, ele é livre para seguir o seu instinto de preservação da própria pele e fingir que não viu, ou ele pode se aventurar num ato heroico. Um animal, porém, está programado para fazer sempre a mesma coisa, e se é difícil ensiná-lo a ser altruísta para com os da sua própria espécie, é praticamente impossível fazê-lo acudir as necessidades de uma outra espécie, como fazem alguns homens. Isso, porém, é óbvio. É, portanto, mais um mistério da existência que o Prof. Gerardo Furtado não o compreenda e saia por aí afirmando que à ciência falta este tipo de bom senso.

Talvez, porém, seja porque ele, afinal de contas, é um defensor da humildade contra uma certa tendência moderna de colocar o homem no centro de tudo. Nesta sua batalha, ele estaria certo. Mas, ah!, não é por aí que se começa o conserto deste mundo. Não é rebaixando o homem e elevando a ciência que as coisas vão se reequilibrar, porque a ciência é algo humano. É antes buscando o que de verdade há nos conceitos que as academias propõe hoje e propuseram ontem. E um desses, que frequentemente merece ser alvo da fúria refutativa do Prof. Gerardo, é o da hierarquia natural. Uma das interpretações da ideia é que o homem, sendo o topo da cadeia alimentar, é o mais forte de todos os animais. Isso, porém, seria falso. O homem não é o mais forte, mas sim o mais fraco dos animais. Um urso não precisa fazer lã para se aquecer no inverno. Um peixe não precisa de um tubo de ar para nadar no oceano. Um pássaro não precisa entrar dentro de um avião para voar. O homem, todavia, já encontrou remédio para todas essas carências. E isso aconteceria se ele fosse somente capaz de seguir cegamente o seu instinto?