quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Peleguismo e Outras Maravilhas

Chuva, Vapor e Velocidade - Turner
Viver no Brasil é constantemente ser lembrado do que julgo ser um uma opinião plausível: o poder é como a barba. Assim como esses pelos que teimam em crescer ainda que sejam sempre raspados mostram que a natureza humana é caprichosa e tenaz, assim também algum governo nunca deixa de ser exercido, ainda que contra todos os jornais. Como a barba, o poder é um privilégio que nem todos têm mas todos respeitam. Há gente, no entanto, que se acha capaz de dizer ao povo quem é a autoridade, como se ele fosse um dândi que precisasse de um espelho. Nessas últimas manifestações, algumas mídias virtuais afirmavam que sicrano, legitimamente posto no seu cargo, não manda nada. A natureza, no entanto, não tem a obsessão pela unidade. É possível que haja, ao mesmo tempo, vários caciques para o mesmo assunto, e improvisar um tribunal para decidir quem manda e quem tem juízo é mera retórica.  Ockam diria que não convém complicar o que pode ser simples. A democracia, porém, é necessariamente múltipla e diversa.

Uma forma mais sutil de minar o poder é alardear que o seu discurso é desconexo. Se dom João era realmente a figura que pintam, ele devia frequentemente não falar coisa com coisa. A maior parte dos desentendimentos, no entanto, acontecem mais por deficiência do ouvinte do que por loucura do falante. É verdade que a arte moderna tem se esforçado para contradizer isso, mas o máximo que ela consegue provar é que uma representação da própria singularidade requer uma apreciação um tanto singular. Outro fator de incompreensões, mais grave, é o desprezo por um dos axiomas do bom senso: o de que tudo tem a ver com tudo.

A capacidade de autocrítica, por exemplo, está relacionada com a política. Bill Clinton, um nome que foi democraticamente enterrado e sepultado, era uma espécie de gênio da reputação. A fama, de fato, é algo muito volátil, mas gente como ele tem a malandragem necessária para se sair bem mesmo quando comete um erro. Quando alguns de seus subordinados errou o alvo e, em vez de uma fábrica de armamentos químicos, acertou uma indústria farmacêutica, não houve nisso nada mais do que uma cochilada profissional que a técnica se incumbiu de agigantar.  Alguém deveria estar atento, mas o corre-corre do quotidiano traz consigo essa possibilidade terrível. A rigor, portanto, Bill Clinton não cometeu nenhum crime, mas mesmo assim, descobrindo no fracasso uma oportunidade eleitoral, mostrou-se profundamente humilde e pediu desculpas.

O sobe-e-desce da democracia, por sua vez, está ligado com a imitação. Os adoráveis ingênuos diriam que Bill Clinton assumiu seu erro porque tinha a intenção de tomar sobre si a culpa dos outros e ser um bode expiatório voluntário.  Eles provavelmente estão certos, mas a fria prudência recomenda considerar a hipótese de Bill Clinton ser tão vaidoso quanto esses atores de cinema que compensam a falta de sentimento com um penteado bacana. E a única maravilha que esses obcecados pelo holofote aceitam é o próprio umbigo. Consta, porém, que isso estará de moda por algum tempo ainda, porque não é difícil extinguir o assaz decalcado discurso politicamente correto, algo tão próprio da humanidade, essa raça de macacos com um sentido mais refinado de imitação.  Embora a língua não tenha sido feita para a retórica, isso infelizmente não traz consigo que os que abusam dela sejam linchados. Mas até nisso há algo de bom. É tão natural quanto o poder e a barba que o atual governo brasileiro às vezes acerte sem saber por quê. É o caso, por exemplo, das verbas que ele destina aos cientistas políticos e comentaristas pelegos. O profissionalismo com que eles defendem o indefensável, jogando a culpa de alguns num inexistente sistema neoliberal, não deixa de ser verdadeiro. As faltas não deixam de ser coletivas porque alguém, solitário como qualquer minoria, resolveu, num dia cheio de raios e tormentas, dar ouvidos a uma serpente.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A Condescendência dos Gigantes

 

Uma turma de arruaceiros vai até o centro da cidade e resolve pichar o prédio público mais importante da cidade. Antes eles chegariam de madrugada e, entre uma risadinha e outra, fariam o humor contra o qual não há resposta porque não é necessária nenhuma. Hoje, felizmente, o anonimato foi deixado de lado, e bastaria que os jornais comentassem o fato para que todos vissem que por trás da piada se escondem os mesmos pedantes de sempre, que identificam liberdade com o assassinato. Se a população de São Paulo não tomar nenhum atitude, a mensagem é clara: o jornalismo também está morto. Se a influência na opinião pública não for possível agora, quando há claramente uma maioria que é a favor dos bebês, é porque a única razão de ser da Folha de São Paulo e do Estadão é uma chatíssima crítica anti-democrática.

A época do periodismo talvez já tenha passado. Foram-se os dias em que o pai, antes de sair para o trabalho, sentava-se para se informar sobre que está acontecendo no mundo através do jornal. Se ainda há quem resista bravamente, saiba que somos um grupo cada vez menor porque a simplicidade tende a tomar conta de tudo. É muito complicado averiguar, dentre os vários colunistas, quem emitiu a opinião certa. No entanto, no debate que ultimamente opõe os dois lados do Brasil, não é difícil encontrar a verdade. Os que dizem que a solução nacional está numa visão pragmática dos problemas claramente deixam a desejar. O sr. Felipe Zanisque, cidadão comum,  não precisa de fato de uma teoria para entender que o melhor não é andar de carro movido a petróleo. O mais produtivo seria trocar o ouro negro pelo combustível feito a base de cana-de-açúcar. Isso seria mais barato, o que é eminentemente uma razão prática. No entanto, esse sendo comum se apóia na tese de que a pobreza é preferível à riqueza, e isso é uma opinião que só faz sentido sentido dentro de uma teoria da família. Em escala nacional, sempre há um gênio que propõe emitir mais moeda para tornar o país mais rico, como se o que interessasse fosse o ouro negro, branco ou amarelo, e não a sua utilidade.

O bravo que seguisse lendo os jornais, todavia, poderia até chegar a essa conclusão, mas o caminho não seria facilitado pela imprensa, que virou uma vitrine onde cada um só se preocupa se a sua opinião é bonitinha. E o mais bonitinho seria não pensar, mas deixar-se levar pelas modas, que, quanto mais científicas, melhor. E a ciência verdadeiramente resiste tenazmente, se não como os solitários adeptos do periodismo, ao menos como uma manada. Dobrar-se ao consenso científico, porém, é como ser um gigante que aceita o desafio de um pigmeu. E o pgimeu em questão, em vez de buscar as origens, preocupa-se antes de mais nada com selecionar os fatos principais da parte que lhe cabe no latifúndio acadêmico. O perigo dessa condescendência é que algumas fazes um anão acredita nas bravatas que lança contra os gigantes.

Uma dessas bravatas é a de que a ciência explica tudo. No entanto, se o fatos não foram bem selecionados, a teoria pode muito bem servir a um propósito prático, mas dificilmente seria capaz de dar conta de toda a experiência, aí incluída também a dos pigmeus e a dos gigantes. O evolucionismo já é tão batido que não vale mais a pena insistir no assunto. Ao invés dele, tomemos como exemplo a ideia bastante difundida de que não existem culturas inferiores e superiores, mas todas seriam pedras preciosas que a Unesco deveria preservar. O principal fato selecionado aí é o pigmeu. Se a coisa é feita por um homem, seja ele quem for, isso basta para receber o carimbo de sacrossanto. Os homens, porém, por mais bravos que sejam, são capazes de erros como o do periodismo ou o de querer superá-lo com uma técnica, que, ao fim e ao cabo, também será caduca.

João e o Gigante