domingo, 20 de dezembro de 2015

Pangaré Alado e Sua Audição do Estudo em Si Menor de Fernando Sor



Há várias maneiras de tocar violão. Uma delas é displicentemente pegar o instrumento nos dias de pagode para acompanhar algum cantor amador que quis desenferrujar o gogó. Outra é estudá-lo para dominar a técnica de tal maneira que, quando o artista dá a graça de uma canja, todos ficam embasbacados com o movimento rápido de seus dedos, e se esquecem da música. E tudo oscilaria entre o improviso do serviço e a vaidade do brilho se não houvesse quem colocasse o talento a serviço da harmonia até, depois de muitos ensaios, deixar que ela encha todo o ambiente de serenidade. Isso é o que faz com destreza o médico piauiense Marcos Leal, já radicado há quatro anos no Rio de Janeiro, com um simples e muito belo estudo em Si menor de Fernando Sor. Ele não é um profissional da música, mas a precisão cirúrgica aprendida na faculdade não foi em vão. Ela faz com que o instrumento planja de tal maneira que qualquer um que tenha sido mandado embora do emprego e ficado sem rumo, andando para lá e para cá por uns dias, sinta-se identificado com o vai-e-vem da melodia.

Serenidade de fato é só o fim. O que esse conjunto de sons provoca é a leveza instável de andar de barco no meio do mar, com o vento forte levantando as ondas, rumo a uma ilha paradisíaca e inexplorada. Quando então o barco chega, não há ancoradouro, e ele tem que rodear a costa em busca de um local seguro. Eis aí a síntese de movimento e repetição que a música traz consigo. O trajeto do barco se aproxima e se distancia da orla, perscrutando suas paisagens desiguais para em vão completar o círculo. Mas sobe e desce sempre no mesmo ritmo. Depois de dar uma volta inteira e não encontrar nada, o destino parece ser, quando a melodia é mais terna, o fracasso de retornar à praia de origem. No entanto, eis que de repente tudo é calma, e a paciência conquista seu prêmio. O barco lançou âncora, os tripulantes desceram, e seus pés tocaram a terra firme sob o azul diáfano de um céu sem limites.