sábado, 22 de novembro de 2014

A Genialidade do Jumento Alado

Há poucas coisas tão chatas quanto os gênios incompreendidos. A razão, é claro, não é a sua alta sabedoria, mas sim a a repetição quase infinita dos lugares-comuns da genialidade. Um dos prediletos até de jornais populares como a Folha de São Paulo é a legalização. Há mais de dois mil anos os políticos debatem o que é bom e ruim e decidem muitas vezes, à revelia dos interessados, obrigar todos a seguirem a sua opinião. No entanto, por mais que se proibisse a avareza, sempre aparece um Euclião, que, no fim das contas, só desiste do seu amor ao ouro quando a sua indústria fracassa. A modernidade vai no sentido oposto, mas cai exatamente no mesmo erro. As drogas são ruins. No entanto, como proibi-las até agora não foi capaz de extinguir o problema, o melhor seria legalizá-las. Uma lei como essa, no entanto, não é o meio para fazer a revolução. Como dizia o inesquecível filósofo Márcio Diniz, a partir do momento em que um governo abre mão do bom senso, ele desanda para a ditadura.

Em poucos lugares essa bondade inerente ao senso comum foi expressada com tanta simplicidade como na Idade Média. O lugar comum da genialidade, nesse caso, é dizer que foi uma época de trevas. Há, no entanto, dois tipos de trevas: as que servem como uma moldura para um luz tão intensa que se ocupasse todo o quadro todo cegaria, e a da alta genialidade. Na Idade Média, a luz que brilha é acomodada aos olhos humanos. O jumento alado é um dos animais míticos que povoava a imaginação daqueles seres subdesenvolvidos. Ele é, por exemplo, o que salva o duque português quando este se encontra no duro transe de, para fugir de seus inimigos, ter que cruzar uma ponte que, pasmai, está prestes a ser implodida. Não é preciso dizer o que o adorável animal simboliza. O que a Tuba, sim, precisa anunciar é a substituição do fetiche do sobrenatural pelo fetiche do estado. A lei não resolverá o problema!

A solução, eu proponho, é encará-lo com naturalidade. Os brasileiros são um exemplo na arte de lidar com problemas insolúveis. Os nossos índios tinham o hábito duvidoso de comer os seus inimigos. Os políticos portugueses não teriam resolvido o problema se somente propusessem uma lei contra o canibalismo. O núncio real que fosse comunicar o seu conteúdo seria, é claro, devorado pelos índios e o manuscrito seria um tempero. O português, com sua lógica do bom senso, misturou-se ao aborígenes com tanta espontaneidade que lhe fez ver que carne humana não seria a mais adequada para sua dieta. Trocando em miúdos, o problema das drogas não exige a extravagância de dizer que algo péssimo é bom, mas sim a afirmação prosaica de que, se alguém acha que será feliz entorpecendo o seu entendimento, ele é tão subdesenvolvido quanto um camponês da Idade Média. A diferença é que nenhum jumento alado virá em seu socorro.