quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Evidências

A biologia evolutiva não goza hoje do mesmo prestígio de alguns anos atrás. Um dos argumentos que lançam contra ela, porém, não merece sequer dois minutos de consideração. É uma dessas reclamações que mais provém de uma indisposição fisiológica do que de uma busca calma e tranquila pela verdade. Um duelo científico é sempre um duelo de teorias sobre fatos de que ninguém discorda. E muitos dos que atacam a evolução hoje simplesmente não propõe nada para substituí-la, e se limitam a afirmar que a evolução nunca foi reproduzida em laboratório. Ela, de fato, não foi nem nunca será simplesmente porque é uma tentativa de entender o mundo como ele é, e não como seria possível forjá-lo mediante a técnica. Contra isso os biólogos militantes esgrimem com sucesso o argumento de que evolução preserva duas evidências: há várias espécies no mundo, e há uma hierarquia entre elas.

O que, porém, torna a teoria particularmente antipática é a definição moderna segundo a qual a evolução não seria nada mais do que uma mudança aleatória do código genético. Além do defeito mais grave dessa definição – nomeadamente, ela não mostra a atualização de uma nota diferencial dentro de um gênero -, ela não é falseável. Em outras palavras, ela sai do campo da ciência e entra no da filosofia, sem antes ter dado conta da finalidade do mundo natural. Uma mudança aleatória é um empreendimento de risco da natureza, como se nela não houvesse uma finalidade, como se as alterações substanciais no ser fossem mera coincidência. Quando Júlio César, às margens do Rubicão, disse que tudo daí por diante seria aleatório, o que ele afirmava é que a guerra civil é uma aventura em que tudo pode acontecer. No entanto, isso não passa de uma frase de efeito, porque é claro que o mais forte, numa guerra civil, sempre esmaga desgraçadamente o mais fraco. Não há aleatoriedade porque mesmo as coincidências são o encontro fortuito entre duas finalidades. E, sem isso, a complexidade maior de uma mosca em relação a uma pedra não seria explicada. Ou seja, uma teoria da evolução que busque abarcar todas as evidências, e não somente as genéticas, ou resolve o problema da finalidade, ou então reconheça que se trata de um ato de fé.

Isso só não ocorre por conta da crença de que para ser científico é necessário ser cético. Isso, alguém douto diria, é uma implicação necessária. No entanto, a ciência nada mais é do que uma tentaviva obstinada de explicar todas aparências sensíveis porque elas são verdadeiras. A ciência está no polo oposto do ceticismo, da indocilidade ao real, da teimosia de se aferrar a teorias furadas ou incompletas que destorcem o fatos e chegam ao absurdo de afirmar que não há diferença específica entre um homem e um macaco. Quem enganou a humanidade nesse ponto foi Platão, e por isso é compreensível a muito alta conta em que as teorias são tidas ainda hoje.

A hierarquia natural, porém, é algo observável não somente em seres humanos, mas também em outros animais. A matéria, à medida que se organiza, torna-se não mais complexa. A contribuição moderna para a biologia é a negação da geração espontânea, isto é, a afirmação de que as mudanças não acontecem por acaso ou por inércia, mas sim que há uma finalidade no processo evolutivo. Uma mosca foi o suficiente para convencer Redi da inanidade de uma opinião comum de seu tempo, mas sociedades inteiras de abelhas e formigas não são o bastante para persuadir os fundamentalistas da evolução.

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