domingo, 22 de maio de 2016

Uma Pérola no Chiqueiro



Eu nunca tinha visto Edmundo, o justo. No entanto, uma pessoa muito brincalhona contou uma vez que ele, estando no Rio de Janeiro, começou a explicar a arquitetura das igrejas da Praça Quinze. Edmundo era o guia de uma excursão em que só havia adolescentes. Depois de fazer doutas distinções em alta voz olhando fixamente para uma imagem e terminar com uma piada, ele percebeu que ninguém havia rido. Ah, pobre justo! Aconteceu de nenhuma gargalhada soar porque nenhum ouvido escutou. A garotada havia ficada parada contemplando, embasbacada, um carro tunado que, todo vermelho, rebaixado e moderno, destoava no meio da tradição do lugar.
Consolar um justo não é tarefa para qualquer um. No entanto, é possível que ele, enquanto voava para o passado, tivesse se esquecido que muitos outros doutos expositores das belezas atemporais também tinham ficado sem público. Ele certamente afirmaria que com ele é diferente porque a sua audiência era selecionada. No entanto, ninguém era tão selecionado quanto a corte do Rio de Janeiro, que, a não muitos passos dali, assistiu ao imperador que declarava ficar nessas terras. E alguém duvida, porém, que, naquele momento histórico, um pedestre estivesse com a cabeça nas nuvens, pensando em algum parente longínquo que o iria visitar ou em algum time esplêndido que foi roubado pelo juiz?
As lembranças, de fato, têm vida própria. Um fantasma que, desmistificado há muitos séculos, teima em voltar é o duende. Mas seu nome mudou, e o nome é tudo. Seu novo apelativo é agora energia, que pode ser atraída por um prisma ou repelida pelo pessimismo que muitas vezes é a realidade sem o eufemismo da retórica.  O imaginário moderno, assim, já não comporta um ser que, no jardim da minha tia, aparecia com a forma de um anão. Os duendes de hoje são algo tão abstrato quanto o ser, mas não tão fidedigno. A última moda é a Ideia.

Alguém que se apresentasse como o salvador da pátria faria uma paródia sem graça. Uma declaração de boas intenções pode muito bem ser uma das daquelas cartas ridículas sem as quais a humanidade não continuaria existindo. No entanto, quando um presidenciável como José Serra aparece na televisão para tranquilizar o povo brasileiro dizendo que, a partir de agora, o princípio pelo qual se pauta a política é a Nação, há algo de errado. Esse discurso soa como uma música solene que envolve em mistério uma coisa muito simples: o governo. Traduzindo em miúdos, José Serra promete deixar-se levar pelo que os técnicos lhe digam que é mais eficaz para a economia do país, sem deixar que seus interesses partidários prejudiquem os investimentos.

O problema com o livre mercado, no entanto, é que ele é de fato uma feira pública, onde jovens incautos deixam-se levar por qualquer produto barato. Se houvesse algo de novo no país, José Serra teria mencionado em que consiste precisamente o rumo a ser tomado. A posição do novo governo sobre os temas fundamentais não foi divulgada, porque ainda esperam por um consenso que nunca existirá. Eu gostaria de estar errado, mas é isso mesmo. No entanto, Edmundo, o justo, insiste em que o ministro merece um voto de confiança, porque, na sua fala, brilha como uma pérola escondida a palavra valor. E que a galera, quando ouve isso, não pensa só no preço de um automóvel.

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