quinta-feira, 21 de maio de 2015

Édipo e a Mulher de César


Em toda a guerra, a primeira coisa a se descobrir é o inimigo. Se a batalha é sobre Palácio do Planalto, o inimigo ou é pobre ou é rico, e está claro que, no momento, o inimigo são aqueles que detêm o que dinheiro nenhum no mundo pode comprar. É possível comprar casas em Parati, carros de luxo e postos de gasolina, mas ninguém é capaz de comprar o que nem todos os bens podem garantir. Uma consequência da riqueza é, sem dúvida, uma aura de prestígio. No entanto, essa aura de prestígio, se parece vir do nada, é muito mais prestigiosa. E é exatamente este o inimigo. A arma que os políticos empunham contra toda a população brasileira é o domínio da retórica cujo fundamento é o mais vazio dos nadas.
A malandragem em questão consiste basicamente em dizer que, como todas as pessoas são livres, os que cometeram crimes durante os governos do PT agiram por iniciativa própria sem contar necessariamente com o aval do partido. Esse argumento, porém, é como a culpa de Édipo. Ele afirma basicamente que o petistas teriam aparecido na política sem terem passado pelas reuniões que cada diretório municipal, estadual e federal faz para decidir quais serão e como serão custeadas as candidaturas. Ou, se passaram, enganaram a todos tão bem que os dirigentes simplesmente não farejariam a picaretagem. De qualquer modo, o partido, como herói tebano, não teria culpa alguma, e a ele só caberiam os méritos das políticas sociais.
 
Sobre essas, teriam o domínio do fato Lula e Dilma ou quem quer seja o candidato nas próximas eleições. Quando, portanto, o assunto são os alimentos distribuídos no Nordeste, não haveria dúvida de que eles saberiam e controlariam toda a engrenagem da máquina pública. No entanto, quando o assunto são os churrascos que Dirceu e companhia faziam com o dinheiro do povo, ninguém teria domínio sobre nada. A coisa não é coerente, mas um erro como esse nunca é percebido no meio da rua, onde os eleitores se afanam para ganhar o pão de cada dia.
A única solução, portanto, seria entrar com um processo judicial contra Dilma. Isso, porém, levaria o país a uma crise institucional, que os melhores veem como desnecessária e os críticos de plantão, cujo principal ocupação é torcer para o circo pegar fogo, veem como um fulgurante espetáculo de democracia. Que o Brasil é um circo, disso não há dúvida. Mas o melhor seria revelar quem são os incendiários pela única via possível: a denúncia calma e tranquila dos crimes cometidos pela propaganda petista, que vão muito além da corrupção pecuniária, e que são nada menos do que os discursos baseados sobre a lei. Segundos estes, as doações feitas por empresários ao Partido dos Trabalhadores seriam lícitas e, portanto, não haveria injustiça alguma. No entanto, é muito possível que por detrás de uma ato legal como uma compra e venda haja uma extorsão, sem a qual o preço não teria sido tão baixo ou alto. O PT vendeu o Brasil de maneira legal, mas isso não torna cada de um de seus membros menos responsável.
O contrário seria como afirmar que o massacre do Carandiru foi culpa do Estado e não dos presos e dos policiais, ou que a causa da queda recente do avião alemão na França é somente o deslize do seu empregador. Em todos esses casos concretos, o que há uma complexidade de erros que terminam numa tragédia. O erro, porém, não é algo inofensivo. Se Clinton não sabia que o complexo químico por ele bombardeado não era uma fábrica terrorista de armas, isso não o exime de ter dado a ordem um tanto desleixadamente. Muito mais grave, porém, é o erro que se transforma em ignorância voluntária, que é a patologia presente não só na queda do avião alemão como também no argumento - que é repetido como a insistência de um vinil arranhado – de que ninguém sabia de nada. Se realmente não sabiam, não haveria problema algum. No entanto, como não desconfiar que mesmo os mais sonhadores dos petistas não seriam feitos do mesmo barro que Fernando Collor de Mello? E, aliás, de um barro um tanto mais sujo, pois vai nele misturado, além da sede de dinheiro, um palavreado estranhíssimo sobre um partido mais imaculado que a mulher de César.
Todavia, Édipo e a digníssima esposa de César são cobaias de um experimento científico que começou no Renascimento. A partir de então, a política deixou de ser objeto de estudo acadêmico e passou a fazer parte do currículo técnico, que se ocupava em fornecer os meios para que qualquer um chegasse ao poder. O tubo de ensaio onde a experiência acontece é a imprensa, que vibra enquanto os ingredientes borbulham. O resultado é conhecido de todos: o que é mais leve boia. No caso, não há dúvidas de que, dentre as diversas propagandas da praça pública, não há nenhuma tão sem peso quanto as explicações petistas sobre os seus desmandos.





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