segunda-feira, 18 de maio de 2015

O Pênalti


Há muitos fatos inquestionáveis nesta vida. Ninguém por exemplo duvida de que Osama bin Laden era um terrorista científico, que fazia da razão um instrumento para o poder político. E, nesse sentido, ele faz melhor do que os intelectuais que acham que pensar é uma atividade em si e sem nenhuma finalidade. O problema, no entanto, é que seu projeto de poder não foi pensado. Se fosse, ele veria que é impossível vencer os Estados Unidos, cujo liberalismo é uma lição de democracia prática. Se o dinheiro é um voto, e o voto é onipotente, então, sendo um dos votos da população americana terminar com o terrorismo a todo custo, isso acontecerá assim que orçamento do Tio Sam o permitir. Há, no entanto, uma miríade de questões cuja resposta é aberta, e uma delas versa sobre a causalidade do mundo. Se, por exemplo, um jogador como o Roberto Silva perde um pênalti, isso significa que esse momento mágico do futebol é um títere nas mãos do acaso. Não haveria nada de certo no mundo, que seria nada mais que um jogo de azar. Ou ainda, se uma furacão se anuncia, no horizonte, e os pássaros, elefantes e leões saem correndo rumo às montanhas para buscar abrigo, isso tampouco seria um ato livre, mas somente a engrenagem do mundo funcionando sobre os seus seres irracionais.
Esse acaso, todavia, não seria meramente um fato, mas também uma lição para o homem, cuja vida decorreria assim de capricho em capricho, cujas decisões seria tão arbitrárias quanto a de um jogador vendido que, na hora crítica da partida, resolve chutar para fora, cuja liberdade, enfim, não teria outro propósito que o de afirmar a si mesma. A tolerância é a resposta que os pedantes dão a esse problema como se essa palavra fosse uma varinha de condão contra toda a corrupção. A solução, é claro, está em descobrir quem é o real culpado pela perda do pênalti, e se o que está em jogo é uma causa espúria como o suborno do juiz ou do jogador, o melhor a se fazer é puni-lo no intuito de que aprenda a se comportar melhor da próxima vez. A tragédia, no entanto, é que muitas vezes essas causas são indecifráveis, e os crimes acabam ficando sem punição. Afirmar, no entanto, que um assassinato é suicídio é negar que o crime teve qualquer causa extrínseca, o que é manifestamente falso. E foi isso, por exemplo, que o maior partidário da Tolerância disse acerca de um crime cujo culpado a razão humana não se atreve a perscrutar: a morte de Jean Calas.
Uma explicação, possível, no entanto, é que Calas se matou porque o mundo era intolerante. Isso, porém, além de ser calúnia de dimensões cosmológicas, não explica, todavia, que muitas outras pessoas vivam nele e não se matem. É muito mais plausível admitir que o crime aconteceu porque alguém permitiu que ele acontecesse, de descuido em descuido, como um jogador que, passando o ano sem praticar, perde o pênalti na final do campeonato. E afirmar que esse jogador merece uma punição, ainda que, na sua ingenuidade, ele ache que não fez nada errado, não é intolerância: é pedagogia. Assim, todos os outros aprenderão a lição de que, sem treino, não há talento algum que sirva.
Este é, aliás, outro erro do supinamente louvado e incompreendido Voltaire. Ele achava que havia uma razão que governava o mundo, a qual, todavia, era distribuída de maneira irregular entre as criaturas. Assim, os que recebiam um pouco mais, seriam seres racionais, e fugiriam dos furacões conscientemente, e àqueles que na partilha coubesse menos seriam os macacos que fogem das catástrofes simplesmente porque veem os outros animais correndo e não conseguem resistir ao impulso de imitá-los. A razão, no entanto, não é algo posto no homem como se uma causa extrínseca fosse a responsável pelo maior ou menor QI das pessoas. Ela é conquistada mediante o pensamento livre, que, aliás, não tem nada a ver com a tolerância segundo a qual os maus jogadores perderiam os pênaltis somente por descuido.
A pomba foi programada para, mesmo diante da mais terrível tempestade, preservar a sua vida, que, no entanto, pode ser tirada pelo caçador que não sabe se divertir de outro modo

A questão, portanto, é essa: ou um artilheiro perde o pênalti porque quis ou porque porque foi movido por forças misteriosas que o levam a precipitar o seu time na sarjeta da opinião pública como a depressão daquele piloto alemão fez os seus passageiros se precipitarem contra um rocha. Essa força misteriosa seria a mesma presente naquilo que os biólogos chamam de mutações aleatórias. É, porém, muito mais difícil acreditar nisso do que numa causa, seja ela física como o churrasco que artilheiro vendido compraria com o dinheiro da propina, seja metafísica como o propósito que o jogador fiel faz de, ao acertar o ângulo, dar à torcida uma alegria que o mundo não conhece.




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