quarta-feira, 3 de junho de 2015

O Lugar da Escola


Um dos fetiches mais saudáveis da humanidade é o apreço pelos antigos. O tempo de ouro de que falam os poetas é a expressão daquele sentimento sem o qual nenhuma família digna do nome se forma. O rapaz que tem orgulho dos seus antepassados está no caminho de superá-los porque não despreza as suas conquistas. Aquele, porém, que vê nos seus pais e avós múmias que o tempo enterrou não é capaz incrementar o patrimônio moral do seu sangue simplesmente porque ele sequer o possui. Isso fica claro naquela história de Michelangelo e o pedaço de mármore do qual sairia Davi. Os antepassados podem até ser uma pedra disforme, mas desprezá-los é como tentar fazer por si próprio não só a escultura, mas também fabricar o mármore de que ela será feita. Quando este fica pronto – se fica – já não há tempo para mais nada, e será a vez da próxima geração esquecer a antiga.

Boa da parte desse progressismo moderno, que é como um homem que perdeu a memória, vangloria-se de ser científico. E a ciência, de fato, é a pérola mais brilhante na herança daquela época feroz que foi a Idade Média. No entanto, há uma coisa que talvez ninguém entenda, mas que nem por isso deixarei de dizer: para o correto apreço da ciência, é necessário desprezá-la um pouco. O que gostaria de dizer é algo muito parecido com aquele princípio do bom senso segundo o qual somente as pessoas que não são obcecadas pela riqueza tem o ócio necessário para gozá-la. O avaro cujo ouro é a ciência é tão preocupado com revistas científicas que para ele o mundo sempre chega de segunda mão. Ele acaba deixando de lado a sua capacidade de investigar um fato para investigar exclusivamente a investigação dos outros. E o aprendiz de cientista perde assim a faculdade de elaborar a própria opinião transformando-se num papagaio que repete as teorias da moda.

Não estou aqui a quebrar o telhado de vidro do cientificismo, mesmo porque ele é uma laje de concreto bem fechada para tudo que está em cima. O que digo, mais precisamente, é que o homem está sobre esta casa que agora muitos pretendem construir isolada da civilização. E o problema começa quando este homem, que está acima, é colocado abaixo e se torna uma cobaia de teorias de duvidosa cientificidade como é o psicologismo behaviorista. Recentemente, um jornal que divulga sociologia alardeava que os seres humanos gostam de receber elogios como os animais gostam de receber comida, e que portanto o louvor pelo comportamento desejado pelo governo seria uma modo de fomentar esta ou aquela atitude assim como um cão aprende a sentar se lhe dão ração quando ouve o comando. O problema com isso tudo está em que, se não há uma filosofia sã do homem, as atitudes a serem fomentadas são, na pior dos cenários, uma passividade total ante as ingerências da política e, no melhor, o que alguns chamam de tolerância e é apenas falta de convicção.

Um dos maiores bens da leitura é exatamente ser um antídoto contra as essas ideias que aparecem na praça pública. Leitores, porém, são usualmente gente que não cultiva o desprezo pelos livros necessário à ação. O mundo, assim, fica nas mãos das pessoas práticas, em quem os intelectuais jogam a pedra da crítica sem contudo se levantar do sofá. Os líderes práticos, porém, também passam pela escola nesses tempo de educação universal. Se, todavia, os colégios forem somente uma organização que forma líderes para outras instituições, eles não servirão para tirar o homem da posição incômoda em que o behavioristas o colocaram. O único jeito é formar leitores capazes de ler não somente os livros mas também o mundo a sua volta. Se o lugar de toda criança é na escola, o lugar da educação é sobre a corda esticada do equilibrista, que não pende nem para o eruditismo inócuo nem para a práxis irrefletida.


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