sábado, 21 de janeiro de 2017

O Círculo e o Segmento de Reta




"Talvez seja interessante. Mas eu percebo no seu blogue um certo ranço meio antiquado." 
Um grande idealista dos meios de comunicação e leitor crítico de A Tuba.

Às vezes, as simplificações são inevitáveis. Uma maneira de ver o mundo é o eterno retorno. Em poucas palavras, essa teoria afirma que não só a primavera do ano anterior vai se repetir no próximo, como também várias outras coisas. Um esquema para explicar a história, portanto, seria a roda que, ao girar, sempre volta ao mesmo lugar. Essa é a teoria do círculo. A outra maneira de ver o mundo, nós talvez poderíamos chamá-la de progressismo iluminista. Essa cosmovisão afirma que o esquema para explicar a passagem do tempo é o segmento de reta. No entanto, o desenho só está completo se colocamos vários traços perpendiculares indicando as descontinuidades. Para o adepto desse segundo tipo de pensamento, as diferenças entre as eras seriam tais que não haveria possibilidade de a mais atual aprender com a mais antiga. A tradição radical, portanto, seria algo impossível, e o que há antes do começo da linha - a criação - seria inacessível.

Nós não precisamos ter vergonha de aderir ao círculo. Como reconhecia Marcuse, é impossível não levar as próprias convicções para o trabalho científico. Marx talvez diria o mesmo, mas acrescentaria sem dúvida um erro grosseiro: aquele segundo o qual essas ideias pessoais seriam determinadas pela pertença a uma classe econômica. O cidadão básico, porém, é o indivíduo e o que ele pensou e decidiu sobre o bem comum. Umberto Eco sabia disso e muitos outros também, embora nem todos falem em voz alta. A acusação de possuir uma consciência ideológica é sempre uma boa desculpa para tirar só os indesejados do caminho. Embora a verdade não seja essa, o discurso precisa ser contrário a ideologia porque esse é o disfarce perfeito. Ninguém ousa prender o policial.

O pequeno problema aqui, porém, não é ter uma ideologia, mas sim tê-la a meias. Hitler, por exemplo, não só não era um comunista radical, como tampouco era conservador o suficiente. Hitler era um cara normal e se orgulhava disso, o que é imperdoável. Uma boa maneira de aprender a ser conservador é ser conversador dentro de um ambiente onde reina o bom senso. Numa bate-papo entre aqueles que são gênios demais, é possível contestar o óbvio. Porém, num café da manhã tomado bem cedo, numa dessas famílias felizmente insatisfeitas com a própria situação, ninguém duvida que quem não paga o aluguel em dia fica devendo também os juros. Ao atrasado em questão a sociedade castiga e não se arrepende. Sem isso, de fato, tudo correria o risco de virar um caos.

Mas um conservador sabe que a primeira característica das falhas é serem inevitáveis. Há sempre algum nível de caos com o qual é necessário lidar. Sendo a política, por exemplo, a arte de tornar justo que uns se sintam bem a custa dos outros, o máximo que ela conseguiria é que todos se revezem e suportem a mesma quantidade de trabalho. Essa igualdade, no entanto, não é sempre possível, porque alguns são mais aptos. Dentro desses limites, são necessárias a previdência para os mais idosos e as creches para os mais novos. O mesmo acontece no âmbito do mercado. Se um empregado não produz o suficiente numa dada função, talvez o melhor para todos fosse reaplicar o teste vocacional, colocá-lo no lugar adequado e esperar que ele adquirisse a experiência que consuma o talento. No entanto, esse procedimento lento seria compactuar com a incompetência, o que um chefe jamais pode fazer. A empresa não é lugar para filantropia, e o empregado sem resultado tem que ser mandado embora o quanto antes.   

Um mínimo de velocidade é imprescindível. O mau desempenho retarda não só um, mas todos os trabalhos. Como o tempo não perdoa nunca, os outros também têm contas que vão necessariamente vencer. Assim, o ranço que inspira a Tuba - essa ideologia dita rígida, retrógrada e individualista - é o único capaz de manter o ritmo da história. Se, porém, alguém disser que o melhor é uma espécie de utopia coletiva onde a medicina já não será imprescindível, onde os advogados já não serão úteis, porque não haveria necessidade de curas nem de defesas, onde, enfim, o mal já não existiria, e a verdade brilharia sem a luz da retórica, a única resposta é essa: essa futurologia é um passado chamado de idade de ouro. Nela, os poetas cogitavam que não existiria sequer guerra. E é para esse paraíso que também os progressistas felizes se deixam levar pela mão.


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