quarta-feira, 22 de junho de 2016

A Clandestinidade do Aborto: Uma Luz Que Ainda Brilha



O diálogo que segue é uma reprodução exclusiva de A Tuba. Ele não passa de uma conversa em busca da verdade. Juliano é um nome fictício de um rapaz escandalizado pelo boato de que a causa abortista ganharia força. Carlos, também um personagem real disfarçado, é um advogado de um escritório paulista e aluno uspiano do programa de doutorado em Direito Econômico.

Juliano: A escolha de Flávia Piovesan vai matar as criancinhas.

Carlos: Olha: eu não nutro simpatia por ela. Mas cadê a fonte dessa afirmação da Flávia Piovesan?

Juliano: Está aqui nessa entrevista. Ela é favor de eliminar o bebê que vai nascer. A Flavinha diz como se fosse algo pacífico: "É consenso que o aborto deve ser visto como caso de saúde pública e não como caso de polícia. É lamentável a morte de mulheres em razão da prática do aborto ilegal". Matar um feto é como matar um adulto doente, que também não tem autonomia. Se um ato é um homicídio, o outro também é.

Carlos: Ela não é a favor de "eliminar o bebê que vai nascer". Só disse que o aborto é uma questão de saúde pública, não de polícia. Meu amigo, você é capaz de mais do que um silogismo barato.

Juliano: As mulheres têm direito sobre o próprio corpo. O feto, porém, não é o corpo dela. Imagina que você tem um apêndice estragado. Você o extirpa porque é desnecessário. Mas o feto, à medida em que os anos passam, mostra que era mais do que um órgão supérfluo. Se você tivesse sido um apêndice arrancado, eu não poderia conversar com você. Esse tipo de perspectiva temporal falta aos defensores do aborto. Eles acham que um feto não cresce.
 

Há um sério risco de a legitimidade da interrupção voluntária da gravidez ser baseada numa concepção da racionalidade atual. Ou seja, se o feto não pensa em ato, ele não é tão merecedor de ser amparado pelo Código Penal quanto um adulto. Trocando em miúdos, ele morre por ser quem é, o que é mesmo que matar alguém por ter nascido pobre ou preto. Certamente, alguém dirá que a analogia não se aplica porque uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. De fato, uma coisa é uma coisa, mas o feto talvez não seja.

Não há dúvida de que o bebê na barriga da mãe pode ser algo completamente distinto de uma pessoa. No entanto, a possibilidade de o feto não ser uma coisa é um fato. Em suma, o abortista é alguém que assume o risco de matar alguém, o que caracteriza um assassinato.

Para apoiar o Michel Temer é necessário um mínimo de convergência, o que depois disso se tornou impossível. A outra oportunidade era Eduardo Cunha. Todavia, ele, cuja esposa de fato gasta um pouco acima da média, é mais uma vítima da ditadura do judiciário, que se mete onde ele não é chamado. O núcleo democrático é a Câmara, que supera em representatividade inclusive o Senado. Se alguém troca o deputado escolhido pelo povo pela retórica constitucional, está aberto o caminho para a guerra de todos contra todos. A lei, de fato, nunca foi capaz de condenar os crimes perfeitos.

Os advogados tendem a dizer que a solução para a crise familiar que desemboca no aborto é o respeito às normas regularmente promulgadas. A técnica legislativa é assim adotada como Deus ex machina. No entanto, ainda que fosse legal, se um crime não deixa de ser injusto porque é aprovado pelo parlamento, muito menos se a única justificativa é a chancela do poderes executivo ou judiciário. O único remédio possível é acabar com a família antes que ela acabe com o bebê. Uma maneira de fazer isso sem destruí-la por completo é permitir que os pais decidam para onde enviar o filho.

A legalização do aborto causaria mais problemas na medida em que, ao contrário do propagandeado, aumentaria ainda mais a clandestinidade ou nível de inconsciência do injusto. Se as clínicas que cometem o crime hoje não o fazem com transparência é porque ainda resta na sociedade uma luz. A melhor maneira de entender isso é enxergar que, por mais hábil que seja um orador ou um governante, há certos mecanismos que tem uma objetividade própria. Matar em série é algo que prejudica não só as vítimas, mas também os fatos, que então são varridos para debaixo do tapete como se nada tivesse acontecido. Foi assim com os eugenistas, que esqueceram mais uma vez o que é a igualdade e que, em 1974 num congresso em Nova Iorque, cogitavam de novo a sério o determinismo gênico como razão de estado. Olhar para trás e ver que um discurso justificava a iniquidade aumenta as trevas.

Os gregos já tinham previsto tudo. E isso fica patente não só no mito de Ícaro, mas também em outro menos célebre. Contam que Dédalo havia ensinado a Talos, um rapaz mais novo, as artes que conhecera. No entanto, Talos, depois de ter recebido a educação, pagou por ela um preço caro. Ele foi assassinado por Dédalo. A técnica legislativa é um ótimo instrumento contra a tirania. No entanto, ela é impotente contra a sociedade que a criou.  Logicamente, para esconder seu crime, Dédalo inventou que tudo havia sido um acidente. Na esfera laicista, essa é a saída para os que cometeram um delito: dizer que não sabiam, e que foi tudo um erro não intencional. Mas, depois, pedir uma nova chance ao povo seria abusar da sua paciência.

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