sábado, 11 de junho de 2016

Mais Uma Transversalidade



A única bandeira é a verdade, e o resto que se exploda. É frequente, no decorrer do tempo, que os gênios sofram algum tipo de incompreensão. Mommsen, quando escreveu a sua História de Roma, colocou, em meio a indagações que poderiam ser provadas, uma hipótese de difícil evidência. A classe sacerdotal da capital italiana teria influenciado secretamente a política. Quando um assassinato ocorre e o crime é perfeito, não há testemunhas. Se os senadores que tramaram a morte de Júlio César pediram conselho a alguém que, com uma veste talar cinza, resolveu, numa taberna podre, ir além dos augúrios em troca de algumas moedas, ninguém jamais saberá. Do mesmo modo, a única fonte dos feitiços da Idade Média são os historiadores que, pobres coitados, por um estranho dever de ofício, são obrigados a considerá-los palavras sem nenhum efeito, como se não houvesse outro ser estranho disposto a emprestar-lhes a eficácia do mal, que algumas vezes é só a confusão. 

Outra hipótese difícil, sem a qual o debate atual sobre ideologia de gênero não aconteceria, é o de que não há diferenças entre homem e mulher. Aqui, porém, há provas diretas contra essa opinião. A virilidade e a feminilidade seria uma só coisa mutável. Rafael, outro gênio com quem conversei ao vivo hoje – há muitos outros por aí e diversíssimos – foi a uma audiência pública para tratar do tema. Ele não tinha preparado discurso algum, mas, como via que os marxistas falariam, resolveu imitá-los e também se inscreveu para deixar seu recado. Não há nada que seja tão perigoso quanto tomar um inimigo por modelo, mas foi exatamente o que esse cidadão corajoso fez. Depois de argumentar como um jurista competente, embora seja só um estudante de medicina, ele teve que escapar de mais um jumento alado. Uma senhora, depois de ouvir argumentos a favor da família, que lhe soaram à velharia, exortou-o ironicamente a respeitar os anciãos que, como ela, eram a favor da transversalidade. Há um mistério nessa palavra, pronunciada bruscamente, cortando a linha reta que ligaria a terra ao céu.

Uma transversalidade chama a outra e quanto mais, melhor. A outra em questão, que complementa a igualdade horizontal, é a laicidade vertical. Não é simplesmente arrancar o crucifixo e substituí-lo por qualquer outro sinal mais vago e menos histórico. A transversalidade não vale nada se ela significa uma confusão sentimental em que não há hierarquia alguma. Ou seja, ou os mais fracos são identificados e cuidados contra toda tentativa de esquecê-los numa busca idiota do prazer, ou o qualquer tentativa de inclusão social é papo furado.

A identificação preventiva da vítima se dá através de um processo de objetivação. Não se trata somente da criança solitária e indefesa, mas sim de um prejuízo para o bem público, que, no jardim da modernidade, é a flor mais mimosa de todas. Trata-se, evidentemente, da democracia, cujo fundamento é uma retórica filosófica e, portanto, antissofística. Fere o princípio da não-contradição que alguém use, num debate dentro de uma casa pública, um discurso ambíguo, valendo-se das suas verdadeiramente veneráveis cãs a favor de um pseudoprogresso contra a virtude. Se a transversalidade da jovenzinha com cabelo branco tivesse cruzado o caminho de uma espada, o caos teria se instaurado.

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