sexta-feira, 30 de maio de 2014

O Elogio de Péricles

Um imperador romano, vendo que alguns estrangeiros traziam seus cachorrinhos no colo e os acariciavam, observou que as afeições do homem foram feitas não para qualquer animal, mas sim para o seu semelhante. Do mesmo modo há quem observe feitos e fatos ignóbeis quando poderia contemplá-los heróicos e edificantes, há quem permaneça com os olhos no chão quando poderia levantá-los para as estrelas. E, quando encontramos um belo astro no firmamento,  surge a admiração e o desejo de imitar. A estrela em questão é Péricles. É verdade que poucos podem fazer da sua biografia o espelho exato da vida de um governante. Mas não há quem não governe algo, nem que seja somente o próprio nariz.

Sua família era nobre. Seu pai, Xantipo, derrotara os persas na batalha de Micale. Sua mãe, Agarista, era neta de Clístenes, que defenestrara os filhos de Psístrato e dera à cidade um corpo de leis que lhe conferiram harmonia e segurança. Em filosofia, foi educado por Anaxágoras de Clazómenas. Participou das reuniões em que Zenão, o fundador do estoicismo,  reduzia qualquer argumento ao absurdo. Foi este último que o defenfeu do boato de que sua serenidade e tranquilidade seriam afetadas e pouco sinceras. Se assim fosse, dizia Zenão, que todos imitem o auto-domínio falso de Pérciles pois adquiririam assim uma virtude verdadeira.

Quando caíram os primeiros combatentes da guerra do Peloponeso, ele, já um cidadão célebre, tece-lhes o elogio. Começa reconhecendo a dificuldade do encargo. As leis exigem que alguém cante as virtudes dos que defenderam a pátria, mas não revela como evitar que os invejosos ridicularizem a verdade que lhes está acima da natureza nem que os conhecedores dos fatos lamentem que tal ou qual detalhe importante não foi mencionado. Mas, como se trata do seu dever, ele se arrisca a pronunciar o discurso. Antes, porém, de exaltar os feitos dos heróis caídos, convinha esclarecer que as consquistas da geração anterior haviam sido preservadas pela sua, sendo um de seus traços principais a democracia. Os atenienses eram livres e igualitários. Se alguém era pobre, isso não se erguia como um obstáculo intransponível para seu avanço na sociedade.  Bastava que fosse útil à cidade. A liberdade de que gozavam no âmbito público se extendia para a vida ordinária, onde ninguém se irritava com o próximo por fazer o que lhe apetecia nem lhe lançava um olhar de desprezo. Mas toda essa abertura não os tornava arrogantes. Ensinava-se a acudir os prejudicados, ainda que isso não estivesse em nenhum estatuto, mas somente pertencesse àquele código que, ainda que não escrito,  não pode ser ofendido sem que se conheça a desgraça.

 

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