terça-feira, 7 de julho de 2015

A Dança das Galáxias

A modernidade é um caso de polícia. Muitas vezes, no entanto, a turma da ordem trabalha tão bem que é impossível não lhe jogar um confete. É assim que os bandidos mais perigosos dessas bandas, que na frente da platéia bancam o Robin dos Bosques, mas não passam de coringas, estão com o caminho pavimentado rumo ao mais desumanos dos estabelecimentos. A desumanidade da prisão, no entanto, é a multidão de homens que se acumulam no mesmo metro quadrado. Um homem é um homem, mas vários homens juntos são violentos como uma alcatéia. No entanto, se os infelizes recebessem na prisão o tratamento que não receberam em casa, sairão de lá mais alegres como o Tiririca. E a máquina do mundo, tendo girado mais vez, entregaria à posteridade uma raça renovada.
A proganda oficial, no entanto, afirma que a máquina do mundo não erra nunca, que seu funcionamento é sempre garantido, e que, se há algum problema, a assistência técnica o resolveria da noite para o dia. Não há, todavia, nenhuma garantia de que, preso Robin Hood, não haja mais nenhum vilão. É perfeitamente possível, dentro da engranagem, que uma peça que andava para frente começasse a girar para trás e todos nós regredíssemos àquele paraíso, em que tudo era de todos, e não havia nenhuma divisão de classes. A diferença, no entanto, é que o mito moderno, em vez de ser uma memória, é um projeto que nega as divisões entre os homens porque antes lhes priva das suas diferenças. E uma das verdades dos mitos antigos está  na afirmação de que a única diferença intolerável era a de Polifemo, que tinha um olho só. É impossível ver a realidade em todas as suas dimensões quando se tem somente uma ideia, e todo fanatismo é baseado na opinião de que Polifemo enxerga melhor que Ulisses, o que não só um erro estético, mas sim um desvio de consequências cosmológicas.
Os astros estão todos alinhados numa ordem que se parecem muito com a de um engenheiro que planeja uma cidade, se por um momento desconsiderarmos que o universo é mil vezes mais complexo.  No entanto, há uma espécie de desvio que faz com que algumas galáxias próximas à Via Láctea estejam capriochosamente curvadas. A explicação mais aceita  é a de que a teia de matéria escura que constitui a geometria invísvel do universo não é retilínea por uma infinidade de razões. Um caubói australiano, no entanto, que atende pelo nome de Pavel Kroupa, resolveu por bem que toda essa disposição irregular foi causada por um acidente no percurso da Terra até o lugar onde hoje se encontra. As duas explicações não são mutuamente excludentes. O bom senso de uma aponta a causa do fenômeno que a matemática da outra descreve. O Polifemo moderno, no entanto, não admite que, além do fenômeno, haja uma sucessão bem definida de causas.
Ptolomeu Barroco
Há quem diga que Descartes é a causa dessa e de outras tragédias contemporâneas. Ele, no entanto, é uma vítima da tentativa frustrada de abandonar os universais em troca de uma certeza tão rasteira quanto falsa. O maior acidente de percurso da história da filosfia, porém, foi Ockham, que achava que, dentre duas explicações, a mais simples é superior à mais complexa, como se esta não fosse formada por várias daquelas. E quanto mais melhor! No entanto, a navalha de Ockam corta fora o supérfluo em nome da brevidade. E Pavel Kroupa, de fato, não teria conseguido levar a sua tese adiante se ela não fosse, além de certeira, simples, que é uma das virtudes da modernidade. E o que diz, trocando em miúdos, é que a matemática, se serve para alguma coisa, não é para traçar um folha quadriculada e obssessivamente tentar fazer com que o universo se encaixe nela. Ela serve, antes de mais nada, para descrever o mundo antes e depois de um movimento. Se este como hipótese não é científico, o problema é dos cartesianos, e não de Kroupa.
Descartes, no entanto, é o efeito colateral de uma sacada tão genial que quase poderia ser comparada com a de permitir um desvio na linha das galáxias. Um dos nós górdios da filosofia é explicar como a lógica que não existe no mundo foi parar nos computadores dos adversários de Kroupa.  E a resposta do Filósofo é que se essa lógica das causas é de fato incompatível com a da maioria, não é o universo quem está errado, mas sim quem acha que sua cabeça é maior do que Via Láctea. E que, todavia, é perfeitamente possível que a cabeça de Louis Pasteur seja maior do que a de todos os seus coleguinhas juntos. O novo Louis Pasteur, no entanto, é mesmo Kroupa, que viu nas estrelas brilhar o sempre novo aristotelismo das causas com uma evidência de que nem Descartes, fechado no seu quarto e contemplando o fogo transformar a cera, foi capaz.
O fogo é de fato o melhor exemplo de que nada nessa vida é eterno. Os bombeiros o conhecem pela prática. O problema, porém, aparece quando alguns cientistas, muito competentes em astronomia, afirmam que tudo o que eles fazem é no sentido de aumentar o domínio sobre a natureza e fazer mais telefones celulares e quejandos. O mundo moderno, porém, está cansado de novas tecnologias. Como uma máquina poderia explicar que, em meio à imensa ordem dos cosmos, há algumas galáxias fora de lugar? A astronomia, porém, não é uma ciência que começa de baixo e sobre numa escalada ascedente rumo ao infinito. Pelo contrário, há um infinito nas coisas aqui de baixo que permitem perceber como os astros lá em cima se movem. Kroupa não aprendeu que havia movimento olhando para o céu, mas sim percebendo que há uma força indomável na natureza que não só faz com que rosas brotem no asfalto, mas também que a trajetória dos astros sejam alteradas.

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