Não faz muito o professor Roberto
Romano desafiava seu leitores a se debruçarem sobre a encíclica Cum nimis Absurdum. Mas, ele advertia, o
documento não seria facilmente digerido por conta de seu conteúdo antisemita.
Alguns fatos da época, no entanto, não podem ser ignorados por quem quer que se
aventure a interpretá-lo. Do contrário, desafio se transfomaria, e não parece
ser este o intuito do professor, numa provocação . Não seria uma tentativa de
compreender o drama dos personagens históricos envolvidos, mas tão somente um
julgamento anacrônico sob a capa do
espírito crítico.
Os judeus já viviam em guetos.
Estes se tornavam, à medida em que aumentavam, lugares inóspitos para os mais
avesssos ao debate. Discutia-se se a
língua utilizada nas cerimônias religiosas seria o vernáculo ou o hebraico, se
as músicas seriam cantadas ao som de instrumentos ou à capela, se para cada
sílaba poderia haver mais de uma nota. Isso não, significa, porém, que o
judaísmo estivesse enfraquecido pela casuística. O melhor judaísmo sempre foi o
casuísta. Era antes o contrário: a busca pelo aperfeiçoamento de sua cultura
pressupõe uma base comum sólida, que, no seu caso, é a lei, ou melhor, uma
miríade de leis.
O gueto, portanto, era
interessante para os judeus no século XVI do mesmo modo que as reservas são
convenientes para os indígenas no XXI. Sem ele, a ortodoxia judaica corria o
risco de ser irremediavelmente corrompida. Não é qualquer religião que consegue
se preservar intacta depois de séculos de contato com o mundo. A árvore do
judaísmo conservador precisava de um terra própria onde brotar e cresccer. O
gueto instituído pela bula, portanto, não tinha a conotação que veio adquirir
no século XX. Ele não era ante-sala da morte. Para os judeus, ele era a
garantia da sobrevivência.
Malta foi um dos últimos redutos
de escravidão na Europa. Os traficantes que lá obtinham o seu ganha-pão
buscavam judeus até mesmo nos navios de cristãos. Com efeito, se eles fossem pegos em navios
otomanos, era claro que se tratava de inimigos. Mas por que prendê-los se
estivessem juntos com cristãos? Eles eram presos por uma razão de senso comum,
contra a qual não havia e não há, parece-me, nenhum argumento. A comunidade
judaica de Constantinopla havia crescido e prosperado à força de planejar e
fabricar armas para os turcos. Isso, porém é passado. O mundo não foi digno dos
estados pontifícios.
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