sexta-feira, 6 de junho de 2014

O Drama Judaico


Não faz muito o professor Roberto Romano desafiava seu leitores a se debruçarem sobre a encíclica Cum nimis Absurdum. Mas, ele advertia, o documento não seria facilmente digerido por conta de seu conteúdo antisemita. Alguns fatos da época, no entanto, não podem ser ignorados por quem quer que se aventure a interpretá-lo. Do contrário, desafio se transfomaria, e não parece ser este o intuito do professor, numa provocação . Não seria uma tentativa de compreender o drama dos personagens históricos envolvidos, mas tão somente um julgamento anacrônico  sob a capa do espírito crítico.

Os judeus já viviam em guetos. Estes se tornavam, à medida em que aumentavam, lugares inóspitos para os mais avesssos ao debate. Discutia-se se a língua utilizada nas cerimônias religiosas seria o vernáculo ou o hebraico, se as músicas seriam cantadas ao som de instrumentos ou à capela, se para cada sílaba poderia haver mais de uma nota. Isso não, significa, porém, que o judaísmo estivesse enfraquecido pela casuística. O melhor judaísmo sempre foi o casuísta. Era antes o contrário: a busca pelo aperfeiçoamento de sua cultura pressupõe uma base comum sólida, que, no seu caso, é a lei, ou melhor, uma miríade de leis.

O gueto, portanto, era interessante para os judeus no século XVI do mesmo modo que as reservas são convenientes para os indígenas no XXI. Sem ele, a ortodoxia judaica corria o risco de ser irremediavelmente corrompida. Não é qualquer religião que consegue se preservar intacta depois de séculos de contato com o mundo. A árvore do judaísmo conservador precisava de um terra própria onde brotar e cresccer. O gueto instituído pela bula, portanto, não tinha a conotação que veio adquirir no século XX. Ele não era ante-sala da morte. Para os judeus, ele era a garantia da sobrevivência.

Malta foi um dos últimos redutos de escravidão na Europa. Os traficantes que lá obtinham o seu ganha-pão buscavam judeus até mesmo nos navios de cristãos.  Com efeito, se eles fossem pegos em navios otomanos, era claro que se tratava de inimigos. Mas por que prendê-los se estivessem juntos com cristãos? Eles eram presos por uma razão de senso comum, contra a qual não havia e não há, parece-me, nenhum argumento. A comunidade judaica de Constantinopla havia crescido e prosperado à força de planejar e fabricar armas para os turcos. Isso, porém é passado. O mundo não foi digno dos estados pontifícios.

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